quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Mais uma taça.

                    Olhava um tanto perdido para a prateleira. Não era grande apreciador de vinhos, talvez não se considerasse culto o suficiente, vinhos exigem algo mais quando tomados. Sabia, porém, que em alguns momentos, uma taça de vinho pode preencher todos os silêncios de uma boa conversa. E apreciava as boas conversas.

                    Certa vez um amigo lhe dissera que quanto maior a concavidade ao fundo da garrafa, melhor é a bebida. Sabia que deveria ser tinto, como a noite haveria de ser. Testando o fundo de cada garrafa, acariciando com o dedo sua profundidade, um tanto libertino, um tanto vidente daquilo que estava por vir.

                    Meia noite, à meia luz, a garrafa meio cheia, taças às mãos, uma daquelas conversas que excitam, excitam pela beleza de algumas horas discutindo calorosamente aquela mesma música. E por aí passeavam, descobriam um com o outro a boa literatura e a política já havia ficado para trás há algum tempo. Os olhares já não estavam mais nas palavras, o dele percorria-lhe as coxas à mostra, os seios comportadamente escondidos que só lhe faziam mais instiga. O dela gostava do seu ar sisudo, descia da boca às meias, despindo-lhe a cada centímetro.

                    - Alberto, Álvaro, Ricardo ou o próprio Fernando?

                    - Bernardo.

                     O vinho, como haveria de ser, preenchia os segundos de silêncio que se sucederam, as palavras que viriam foram caladas pelos beijos e pela explosão que tomou conta de seus corpos. O gosto do vinho em sua boca era muito melhor que aquele da taça e finalmente descobria o algo mais que exigem os vinhos, estava degustando um dos bons. Não era mais numa concavidade de fundo de garrafa que seus dedos acariciavam, não era mais na taça que sua boca se satisfazia, o gosto agora se fazia diferente, a uva virara vulva e estremeceram um ao outro, pecando ao embalo da bebida divina.

                    O sol já lhe incomodava os olhos quando seus braços não encontraram o corpo ao seu lado.

                    - Obrigado pelo vinho.

                    - Não sou muito fã deles, mas o de ontem foi especialmente bom.

                    - Cuidado, vinhos bons também dão ressaca.

                    E antes dele conseguir dizer qualquer coisa inteligente, o vestido esvoaçou pela porta para, quem sabe, um dia voltar.

2 comentários:

Sumaré disse...

Parabéns Kauan... Realmente muito bom.

Anônimo disse...

Kau parabéns..muito bom..escreve bem ^^ curti mesmo..bjin Marie