segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Para ninguém.

As mãos pequenas passeavam pelo teclado sentindo saudades de como ele as apertava, as fechava. Não passavam como sempre, demoravam, às vezes mais apagavam que escreviam.

Finalmente colocara ali todo o não dito, a cada palavra mais vulnerável, dizia como gostara daquele dia, mesmo que nunca o tivesse dito e se desculpava pelo outro, mesmo que já perdoada.

Escrevia. Se pudesse lhe falar sem os olhos, falaria, mas não, os olhos entregam demais, a janela da alma, dizem. Palavras escritas são pensadas, apagadas, reescritas, melhor assim. Dizia finalmente o que já ensaiara tantas vezes em frente ao espelho. Incrível como a leveza e o medo poderiam andar juntos no desabafo.

O título era daquelas frases baratas que adoravam trocar, frases que nunca se remetem diretamente ao assunto, com aquela pontinha de intelectualidade, mas só uma pontinha. Ponto, final.

Mais um rascunho salvo com aquele desejo bobo de que ele, de alguma forma mágica, o lesse.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Conta

Contar é praticamente o que faz da vida.

Conta os passos, crassos
Os lados, calados
Os braços, abraços
Os beijos, roubados
As horas, oras.

Conta as estrelas
E prefere as noites escuras, contam-se mais.
Gosta de pensar como as vê,
Ainda que não haja.

Gosta de fazer de conta.

sábado, 25 de agosto de 2012

Como nascer e morrer


Um, dois, seis vãos
Um saleiro úmido
Duas bisnagas, vermelha e amarela
80 centimetros em cada lado
Marrom, de madeira

Marrom também a garrafa sobre ela
Alguns escritos em alto relevo
Rótulo dourado, letras vermelhas
Coberta por uma fina camada branca

Branca como a tampa ao lado
De ponta cabeça parecia uma coroa
Se pisasse, machucaria
Se bem tratada, abriria o caminho
Amarelo, de espumas

Em pé, de barba por fazer
com o bloco e o lápis em mãos
As marcas entregando a vida dura
Os olhos denunciando a madrugada

- Dois copos, seu Carlos?
- Um só. Porque há certo gosto em pensar sozinho.
É ato individual
Como nascer e morrer.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Perfume


                           Sete badaladas, no banho, de olhos fechados, passando as mãos escorregadias por todo o corpo, imaginando-as um pouco mais ásperas, como haveria de ser logo mais. Roupa, batom, colar, brincos, perfume, os pulsos, o pescoço, como se trassasse o caminho a ser percorrido pela boca.

                      As horas voavam, assim como as borboletas em seu estômago, a campainha toca, dois beijinhos no rosto, Vamos? Vamos. Veio o garçom, veio a bebida, os beijos também vieram, a mão que havia imaginado estava ali, mas faltava algo, não sabia dizer o que era, mas sabia que era.

                           A volta para casa, mais beijos, a despedida, a entrada no prédio, o porteiro, Boa noite, Boa noite, Desculpe a liberdade, está cheirosa, algo não faltava mais, Quer subir tomar algo? Mãos ainda mais ásperas, boca no caminho, cheiro no pescoço, forte, quente, cheio de calafrios que só a faziam se entregar ainda mais. É que o perfume denuncia o espírito.

domingo, 3 de junho de 2012

Trinta e três músicas


 Com o ranger do gancho na parede, a cada vai e vem naquela rede, na fazenda, debaixo daquelas lágrimas que eu céu enviava. à flor da pele, pensando em seu estranho amor.

Ela ficara ali, marcada feito tatuagematé o fim. Aquela carta em suas mãos, com todos os seus quereres era apenas uma de tantas provas de carinho que já haviam passado das mãos dela para as suas, das suas para as dela, nas duas juntas, coladas, como se não quisessem se soltar jamais. E não queriam.

saudade espremia todos os seus sonhos, da juventude transviada que dividiriam, do guri que um dia haveriam de ter, das manhãs em que acordaria debaixo dos seus caracóis, debaixo daquela mesma chuva que ouvia junto ao ranger da rede. Os desvaneios, seu mundo rompido, seus navios queimados, seu coração que ela guardou e não lhe devolveu mais, das valsas que ficava ensaiando em frente ao espelho para nunca chamá-la para dançar, das vezes em que lhe acordava com um cochicho desafinado ao pé do ouvido cantarolando aquela música que levava o seu nome.

Era como se tudo fossem dragões, a solidão lhe apertava, de noite na cama não pregava os olhos, a xingava, a odiava, resmungava maldições e com isso reinventava o amor em seu coração vagabundo todas as noites.

Que maravilha seria se a roda resolvesse voltar, se o sinal fosse aberto novamente, pedia piedade e sabia que algumas coisas os olhos não podem ver. Tinha uma só certeza: iria levando, levando, e não se afobaria não, que nada é para já.

domingo, 8 de abril de 2012

Linda, inatingível, distante...

                        Ali estava ela, como se fosse apenas um fio, pequenina, linda, inatingível, distante... Era platônico, ele sabia que nunca a atingiria, que nunca seria capaz de fazer com que aquela beleza toda se entregasse aos seus braços, e aquilo ia crescendo, crescendo, dia após dia, sem controle, sem ter o que parasse.

                         Estava finalmente completa, e linda iluminava a escuridão que tomara conta dele como há muito não se via e ainda assim estava linda, inatingível, distante... Ele podia ver coisas em seu seio, por vezes um coelho traiçoeiro e vadio, por outras um cavaleiro pronto para empunhar sua espada no coração daqueles que ousam se aproximar de tamanha beleza.

                        Se mostrava toda sensual, provocante, vadia iluminava a todos. Era demais para ser apenas dele, seu brilho precisava de mais espectadores, homem nenhum seria capaz de merecê-lo sozinho; e ele estava ali, admirando-a, quando começara a sumir, a escorrer por entre os seus dedos dia após dia, como se estivesse se guardando, se protegendo da ânsia de todos aqueles que ela mesma provocara enquanto estava ali, linda, inatingível,distante, se desdobrando para que todos pudessem olhá-la e admirá-la.

                         Dia após dia, diminuindo, se escondendo covardemente, definhando sob os olhos de todos, até se retirar completamente. A escuridão reinava agora, seus amantes sequer uivavam, sentiam por sua falta num silêncio esperançoso, de que um dia, quem sabe, estaria ali novamente para seduzi-los, para leva-los àquele mundo que apenas ela, a lua, poderia.


domingo, 18 de março de 2012

Música Nossa por eles

                      Mais de mês e meio depois do último post, deixemos um pouco de lado os fazeres pra recomendar um ótimo documentário da BBC, "Brasil Brasil", sobre a música brasileira do início do século XX até 2007, ano de sua produção. Não achei os vídeos com legenda, mas como ele se passa no Brasil, com muitos depoimentos de gente daqui e músicas daqui, um inglezinho bem furreca igual ao meu já é o suficiente.




                   
                     Apesar de ser um doc para inglês ver, ele não é um doc "para inglês ver". Apesar de alguns vícios consegue fugir dos clichês e passear pela história brasileira com muita habilidade. E exatamente por ser para inglês ver é bastante didático e fundamentado. De Pixinguinha a Ivete Sangalo, passando por Carmem Miranda, Riachão, Luiz Gonzaga, João Gilberto, Tom, Chico, Caetano, Roberto, Chico Science, Racionais MC, Marcelo D2, Céu e mais outra dúzia de nomes,  levei umas 8 horas somando todo o tempo assistindo porque a cada música nova que eu gostava, parava, procurava e a ouvia e recomendo o exercício.


O programa é dividido em três partes de cerca de uma hora cada:

Samba to Bossa Nova:

Parte 1         Parte 2            Parte 3           Parte 4


The Tropicalist Revolution:

Parte 1            Parte 2           Parte 3             Parte 4           Parte 5             Parte 6


A Tale Of Four Cities:

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Ponto e vírgula.

                            Há alguns meses tive uma daquelas noites que valem todas as penas: um sociólogo, um historiador, um professor de literatura e um matemático (presente!) levemente embriagados, discutindo calorosamente "Olhos nos olhos" por mais de hora, cada um com a sua interpretação da música.

                           Ontem estava ouvindo "Não enche" e me lembrei daquela conversa. As músicas se tocam, parece que cada uma delas conta um dos lados da história. Duas músicas completamente diferentes, cada uma com a personalidade e o ritmo de cada um dos dois, dois completamente diferentes.

                          Ambos brigando, no momento da raiva, ele parado na porta, com a mala pronta, ela ali, sentada no sofá, choramingando pragas e prometendo para si mesma que um dia o esquecerá e que "estará refeita, pode crer". Um mais raivoso, mais direto, que xinga, que tenta humilhar, que está sufocado, que quer gozar e repete "Eu vou viver sem você" a todo momento tentando se convencer disso. O outro lado, mais melancólico, mais ressentido, que mostrará que "sem ele, passa bem demais". Um lado muito mais delicado e muito mais habilidoso na arte de atingir com os "muitos homens me amaram bem mais e melhor que você". Mas ambos, ambos estarão de portas abertas um para o outro, sempre esperando uma volta. Dois orgulhosos, que não darão o braço a torcer, que fazem questão que o outro o veja muito bem sem ele, mas que lá no fundo, no fundo, esperam que o ponto ganhe uma vírgula e que "Quando talvez precisar de mim, você sabe que a casa é sempre sua, venha sim."







domingo, 22 de janeiro de 2012

Polícia, quem precisa?

                       Já há um bom tempo venho protelando esse post, tentando deixar o blog um pouco mais leve, mas já não dá mais.

                       No início da minha graduação era daqueles caras que eram contra a polícia no campus da universidade apenas por sê-lo, apenas porque as pessoas com as quais eu gostava de conviver também eram, sem base nenhuma de argumentação. E como qualquer ideia sem muito embasamento, ela foi caindo, fui aceitando o senso comum, o argumento de que a polícia existe para se fazer cumprir a lei e a lei deve ser cumprida em todos os lugares, inclusive na universidade me deixava cada vez mais propenso a concordar com a presença da PM no campus. E essa é exatamente a grande questão, qual o papel da polícia hoje? De se fazer cumprir as leis? Quais leis?

                       A polícia existe para coibir os crimes ou para a manutenção de uma estrutura social que nos acompanha há 512 anos? Essa pergunta não precisa de uma resposta explícita, basta relembrar alguns fatos ocorridos nos últimos meses:

Ocupação da reitoria da USP:


                     A ocupação da reitoria da USP não foi o motivo da polícia no campus, mas sim uma consequência. A reitoria havia autorizado a entrada da PM no com o argumento da maior segurança aos estudantes e desde que a polícia entrou lá, os índices de roubo não caíram, houve a morte de um estudante e a polícia patrulha o campus com gás de pimenta, gás lacrimogênio e balas de borracha. Essas não são armas para "combater o crime", mas sim utilizadas frequentemente para reprimir movimentos sociais.


                    Há algum registro da imprensa do momento da entrada da polícia na reitoria? Não, porque a polícia simplesmente não deixou que se filmasse ou fotografasse esse momento. Foram cerca de 400 homens armados e preparados para retirar cerca de 70 alunos.

Aumento do salário dos vereadores de Campinas:

                       Em dezembro os vereadores de Campinas aumentaram seu salário em 126%. Campineiros revoltados foram até a câmara dos vereadores no dia da votação para realizar seu protesto. Lá estava a polícia, num cordão entre o povo e os vereadores, reprimindo o protesto. Essa é a imagem que acho mais emblemática, a polícia não está ali para defender os interesses do povo, mas sim daqueles que possuem o poder.






Aumento da passagem de ônibus em Teresina:


                  Esse é um vídeo que me impressiona. Estudantes SENTADOS no meio da rua levando bala de borracha. E por que? Porque estavam protestando contra o aumento das passagens de ônibus. Alguém aí já viu essa mobilização toda, esse número de policiais para prender políticos ou os grandes sonegadores de impostos do Brasil?










Cracolândia:

                         Na cracolândia, um problema claro de saúde pública resolve-se com policiais armados dispersando drogados que nem conseguem se sustentar em pé, quem dirá oferecer resistência à força do estado. O papel da polícia na proteção dos poderosos fica claríssima aí, quando se tem uma operação dessa num momento de forte especulação imobiliária no local e a polícia nos bairros nobres da região para que os usuários não se desloquem para lá. Nos bairros pobres? Pros bairros pobres eles podem ir, tudo bem. E o mais engraçado? Não se encontra vídeo da operação da polícia lá...


Pinheirinho:


                   Depois de uma briga entre a justiça federal e a estadual, a estadual autorizou a reintegração de posse e a federal não. Não entendo disso, mas apenas essa discordância já deveria ser suficiente para o senho governador do estado de São Paulo ao menos esperar para realizar a operação. Dois mil policiais, dois helicópteros, choque, rota, armas de fogo. Para prender os barões do tráfico? Para prender políticos que desviam dinheiro da saúde e da educação? Para prender os presidentes das grandes empresas sonegaras de impostos? Não, claro que não! Para tirar milhares de famílias que simplesmente não tem para onde ir de uma terra que estava abandonada até elas chegarem lá. As informações são um tanto desencontradas, vão de um ferido à 7 mortos. Provavelmente com o passar do dia elas se esclareçam.


                  Um povo que não só não se sente representado pela sua polícia que deveria protegê-lo, como chega ao ponto de criar sua própria tropa de choque para enfrentar a dos poderosos. O lado em que estarão os mortos é óbvio...
                           





                          Esses são apenas alguns dos últimos casos. É claro que a polícia tem seu papel na defesa da lei, mas é mais claro ainda que essa não é sua principal função. O seu grande papel é na defesa dos poderosos e não do povo. Dos repressores e não dos reprimidos. É uma situação que, sinceramente, me assusta bastante. Um estado que coloca em prática suas políticas higienistas e anti-democráticas através da força policial deveria dar medo em qualquer um.






quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Quadrilha.

Todos queremos ser Lili, sempre achamos que acaberemos como Maria, mas no fim das contas, uns anos depois, acabamos sendo um J. Pinto Fernandes.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Mais uma taça.

                    Olhava um tanto perdido para a prateleira. Não era grande apreciador de vinhos, talvez não se considerasse culto o suficiente, vinhos exigem algo mais quando tomados. Sabia, porém, que em alguns momentos, uma taça de vinho pode preencher todos os silêncios de uma boa conversa. E apreciava as boas conversas.

                    Certa vez um amigo lhe dissera que quanto maior a concavidade ao fundo da garrafa, melhor é a bebida. Sabia que deveria ser tinto, como a noite haveria de ser. Testando o fundo de cada garrafa, acariciando com o dedo sua profundidade, um tanto libertino, um tanto vidente daquilo que estava por vir.

                    Meia noite, à meia luz, a garrafa meio cheia, taças às mãos, uma daquelas conversas que excitam, excitam pela beleza de algumas horas discutindo calorosamente aquela mesma música. E por aí passeavam, descobriam um com o outro a boa literatura e a política já havia ficado para trás há algum tempo. Os olhares já não estavam mais nas palavras, o dele percorria-lhe as coxas à mostra, os seios comportadamente escondidos que só lhe faziam mais instiga. O dela gostava do seu ar sisudo, descia da boca às meias, despindo-lhe a cada centímetro.

                    - Alberto, Álvaro, Ricardo ou o próprio Fernando?

                    - Bernardo.

                     O vinho, como haveria de ser, preenchia os segundos de silêncio que se sucederam, as palavras que viriam foram caladas pelos beijos e pela explosão que tomou conta de seus corpos. O gosto do vinho em sua boca era muito melhor que aquele da taça e finalmente descobria o algo mais que exigem os vinhos, estava degustando um dos bons. Não era mais numa concavidade de fundo de garrafa que seus dedos acariciavam, não era mais na taça que sua boca se satisfazia, o gosto agora se fazia diferente, a uva virara vulva e estremeceram um ao outro, pecando ao embalo da bebida divina.

                    O sol já lhe incomodava os olhos quando seus braços não encontraram o corpo ao seu lado.

                    - Obrigado pelo vinho.

                    - Não sou muito fã deles, mas o de ontem foi especialmente bom.

                    - Cuidado, vinhos bons também dão ressaca.

                    E antes dele conseguir dizer qualquer coisa inteligente, o vestido esvoaçou pela porta para, quem sabe, um dia voltar.