terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Ponto e vírgula.

                            Há alguns meses tive uma daquelas noites que valem todas as penas: um sociólogo, um historiador, um professor de literatura e um matemático (presente!) levemente embriagados, discutindo calorosamente "Olhos nos olhos" por mais de hora, cada um com a sua interpretação da música.

                           Ontem estava ouvindo "Não enche" e me lembrei daquela conversa. As músicas se tocam, parece que cada uma delas conta um dos lados da história. Duas músicas completamente diferentes, cada uma com a personalidade e o ritmo de cada um dos dois, dois completamente diferentes.

                          Ambos brigando, no momento da raiva, ele parado na porta, com a mala pronta, ela ali, sentada no sofá, choramingando pragas e prometendo para si mesma que um dia o esquecerá e que "estará refeita, pode crer". Um mais raivoso, mais direto, que xinga, que tenta humilhar, que está sufocado, que quer gozar e repete "Eu vou viver sem você" a todo momento tentando se convencer disso. O outro lado, mais melancólico, mais ressentido, que mostrará que "sem ele, passa bem demais". Um lado muito mais delicado e muito mais habilidoso na arte de atingir com os "muitos homens me amaram bem mais e melhor que você". Mas ambos, ambos estarão de portas abertas um para o outro, sempre esperando uma volta. Dois orgulhosos, que não darão o braço a torcer, que fazem questão que o outro o veja muito bem sem ele, mas que lá no fundo, no fundo, esperam que o ponto ganhe uma vírgula e que "Quando talvez precisar de mim, você sabe que a casa é sempre sua, venha sim."







domingo, 22 de janeiro de 2012

Polícia, quem precisa?

                       Já há um bom tempo venho protelando esse post, tentando deixar o blog um pouco mais leve, mas já não dá mais.

                       No início da minha graduação era daqueles caras que eram contra a polícia no campus da universidade apenas por sê-lo, apenas porque as pessoas com as quais eu gostava de conviver também eram, sem base nenhuma de argumentação. E como qualquer ideia sem muito embasamento, ela foi caindo, fui aceitando o senso comum, o argumento de que a polícia existe para se fazer cumprir a lei e a lei deve ser cumprida em todos os lugares, inclusive na universidade me deixava cada vez mais propenso a concordar com a presença da PM no campus. E essa é exatamente a grande questão, qual o papel da polícia hoje? De se fazer cumprir as leis? Quais leis?

                       A polícia existe para coibir os crimes ou para a manutenção de uma estrutura social que nos acompanha há 512 anos? Essa pergunta não precisa de uma resposta explícita, basta relembrar alguns fatos ocorridos nos últimos meses:

Ocupação da reitoria da USP:


                     A ocupação da reitoria da USP não foi o motivo da polícia no campus, mas sim uma consequência. A reitoria havia autorizado a entrada da PM no com o argumento da maior segurança aos estudantes e desde que a polícia entrou lá, os índices de roubo não caíram, houve a morte de um estudante e a polícia patrulha o campus com gás de pimenta, gás lacrimogênio e balas de borracha. Essas não são armas para "combater o crime", mas sim utilizadas frequentemente para reprimir movimentos sociais.


                    Há algum registro da imprensa do momento da entrada da polícia na reitoria? Não, porque a polícia simplesmente não deixou que se filmasse ou fotografasse esse momento. Foram cerca de 400 homens armados e preparados para retirar cerca de 70 alunos.

Aumento do salário dos vereadores de Campinas:

                       Em dezembro os vereadores de Campinas aumentaram seu salário em 126%. Campineiros revoltados foram até a câmara dos vereadores no dia da votação para realizar seu protesto. Lá estava a polícia, num cordão entre o povo e os vereadores, reprimindo o protesto. Essa é a imagem que acho mais emblemática, a polícia não está ali para defender os interesses do povo, mas sim daqueles que possuem o poder.






Aumento da passagem de ônibus em Teresina:


                  Esse é um vídeo que me impressiona. Estudantes SENTADOS no meio da rua levando bala de borracha. E por que? Porque estavam protestando contra o aumento das passagens de ônibus. Alguém aí já viu essa mobilização toda, esse número de policiais para prender políticos ou os grandes sonegadores de impostos do Brasil?










Cracolândia:

                         Na cracolândia, um problema claro de saúde pública resolve-se com policiais armados dispersando drogados que nem conseguem se sustentar em pé, quem dirá oferecer resistência à força do estado. O papel da polícia na proteção dos poderosos fica claríssima aí, quando se tem uma operação dessa num momento de forte especulação imobiliária no local e a polícia nos bairros nobres da região para que os usuários não se desloquem para lá. Nos bairros pobres? Pros bairros pobres eles podem ir, tudo bem. E o mais engraçado? Não se encontra vídeo da operação da polícia lá...


Pinheirinho:


                   Depois de uma briga entre a justiça federal e a estadual, a estadual autorizou a reintegração de posse e a federal não. Não entendo disso, mas apenas essa discordância já deveria ser suficiente para o senho governador do estado de São Paulo ao menos esperar para realizar a operação. Dois mil policiais, dois helicópteros, choque, rota, armas de fogo. Para prender os barões do tráfico? Para prender políticos que desviam dinheiro da saúde e da educação? Para prender os presidentes das grandes empresas sonegaras de impostos? Não, claro que não! Para tirar milhares de famílias que simplesmente não tem para onde ir de uma terra que estava abandonada até elas chegarem lá. As informações são um tanto desencontradas, vão de um ferido à 7 mortos. Provavelmente com o passar do dia elas se esclareçam.


                  Um povo que não só não se sente representado pela sua polícia que deveria protegê-lo, como chega ao ponto de criar sua própria tropa de choque para enfrentar a dos poderosos. O lado em que estarão os mortos é óbvio...
                           





                          Esses são apenas alguns dos últimos casos. É claro que a polícia tem seu papel na defesa da lei, mas é mais claro ainda que essa não é sua principal função. O seu grande papel é na defesa dos poderosos e não do povo. Dos repressores e não dos reprimidos. É uma situação que, sinceramente, me assusta bastante. Um estado que coloca em prática suas políticas higienistas e anti-democráticas através da força policial deveria dar medo em qualquer um.






quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Quadrilha.

Todos queremos ser Lili, sempre achamos que acaberemos como Maria, mas no fim das contas, uns anos depois, acabamos sendo um J. Pinto Fernandes.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Mais uma taça.

                    Olhava um tanto perdido para a prateleira. Não era grande apreciador de vinhos, talvez não se considerasse culto o suficiente, vinhos exigem algo mais quando tomados. Sabia, porém, que em alguns momentos, uma taça de vinho pode preencher todos os silêncios de uma boa conversa. E apreciava as boas conversas.

                    Certa vez um amigo lhe dissera que quanto maior a concavidade ao fundo da garrafa, melhor é a bebida. Sabia que deveria ser tinto, como a noite haveria de ser. Testando o fundo de cada garrafa, acariciando com o dedo sua profundidade, um tanto libertino, um tanto vidente daquilo que estava por vir.

                    Meia noite, à meia luz, a garrafa meio cheia, taças às mãos, uma daquelas conversas que excitam, excitam pela beleza de algumas horas discutindo calorosamente aquela mesma música. E por aí passeavam, descobriam um com o outro a boa literatura e a política já havia ficado para trás há algum tempo. Os olhares já não estavam mais nas palavras, o dele percorria-lhe as coxas à mostra, os seios comportadamente escondidos que só lhe faziam mais instiga. O dela gostava do seu ar sisudo, descia da boca às meias, despindo-lhe a cada centímetro.

                    - Alberto, Álvaro, Ricardo ou o próprio Fernando?

                    - Bernardo.

                     O vinho, como haveria de ser, preenchia os segundos de silêncio que se sucederam, as palavras que viriam foram caladas pelos beijos e pela explosão que tomou conta de seus corpos. O gosto do vinho em sua boca era muito melhor que aquele da taça e finalmente descobria o algo mais que exigem os vinhos, estava degustando um dos bons. Não era mais numa concavidade de fundo de garrafa que seus dedos acariciavam, não era mais na taça que sua boca se satisfazia, o gosto agora se fazia diferente, a uva virara vulva e estremeceram um ao outro, pecando ao embalo da bebida divina.

                    O sol já lhe incomodava os olhos quando seus braços não encontraram o corpo ao seu lado.

                    - Obrigado pelo vinho.

                    - Não sou muito fã deles, mas o de ontem foi especialmente bom.

                    - Cuidado, vinhos bons também dão ressaca.

                    E antes dele conseguir dizer qualquer coisa inteligente, o vestido esvoaçou pela porta para, quem sabe, um dia voltar.