quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Big Brother, o Datena e a Polícia Militar na USP

                              Muito tem se falado sobre a presença da polícia militar no campus da USP em São Paulo. Tenho estado um tanto alheio às notícias, lendo algumas manchetes, mas não passando muito daí e ainda assim me estranha a ingenuidade com que o assunto todo é tratado. Esse é um texto de alguém que participou ativamente de uma das maiores greves da história das estaduais paulistas (2007), era assíduo às assembleias, participou de alguma maneira das ocupações das reitorias da Unicamp e da USP na época e flagrou seus olhos umedecendo, ao participar de uma assembleia com algumas milhares de pessoas na própria USP naquele mesmo ano. Mas também é um texto de alguém que amadureceu bastante aquelas ideias dos 18 anos e já não vive a universidade há uns dois, apesar de ter saído dela há menos de um. Ah, e antes que alguém venha com esse argumento, não sou um "playboyzinho de merda que fica mamando nas tetas dos pais" (como se isso fosse argumento), trabalho e me sustento desde o primeiro ano de Unicamp.

                             Primeiro, é necessário entender algumas coisas: o estado possui a hegemonia da violência e as leis devem ser respeitadas, você concorde ou não. Isso não está colocado em discussão.

                           A USP está vivendo hoje um reflexo de um movimento que tem cada vez mais tomado conta do Brasil: o medo. A cidade de onde eu vim é rodeada de câmeras de monitoramento por todos os lados e quem monitora é a polícia. Na época de seu anúncio houve toda uma mobilização, a inauguração da primeira câmera pelo prefeito, minutos e minutos dedicados a elas nos jornais locais, mais segurança para a população sorocabana! Assaltos sendo resolvidos em tempo recorde, diminuição drástica dos pequenos delitos no centro da cidade, uma maravilha. A própria Unicamp foi rodeada pelo grande irmão, com grande apoio da comunidade acadêmica e são cada vez mais frequentes os gritos de pena de morte ou prisão perpétua. Abrimos mão de nossas liberdades individuais e de nosso livre arbítrio ao morar num condomínio, ao evitar sair de casa a noite, ao achar que todo pobre e negro é um assaltante em potencial, é a datenização da nossa sociedade. Tudo em nome da segurança, tudo em nome do medo.

 “Tirou do bolso uma moeda de vinte e cinco centavos. Ali 
também, em letras minúsculas, porém nítidas, liam-se as mesmas frases;
 do outro lado a cabeça do Grande Irmão. Até do dinheiro aqueles olhos o perseguiam. 
Moedas, selos, capas de livros, faixas, cartazes, maços de cigarro – em toda parte.
 Sempre os olhos fitando o indivíduo, a voz a envolvê-lo.
 Adormecido ou desperto, trabalhando ou comendo, dentro e fora de casa,
 no banheiro ou na cama – não havia fuga. 
Nada pertencia ao indivíduo, com exceção de alguns centímetros cúbicos dentro do crânio.”
1984 - George Orwel


                           É nesse contexto que se dá a entrada da polícia militar (aliás, somos um dos únicos países do mundo em que a polícia ainda é militar) nos campi das universidades públicas, redutos históricos de resistência e luta pela liberdade, seja ela vinculada à democracia ou não. A reitoria da USP realizou o convênio com a PM após uma morte dentro do campus em maio desse ano e a crescente onda de estupros e violência que lá ocorre, não diferente do que vemos aqui na Unicamp e nos seus arredores. Infelizmente, tenho certeza absoluta que, se aluno por aluno do campus for consultado, a grande maioria é a favor sim da presença militar naquele local. Tudo em nome da segurança, tudo em nome do medo.


                          Era esperada a hora em que as reitorias das universidades, indicadas pelos governadores de direita eleitos pelo povo do nosso estado, lançassem mão dos meios legais que possuem para acabar com os desrespeitos à lei que ocorrem no campus, seja ele um assassinato, um assalto ou uma maconha (sim, é colocado tudo num mesmo balaio).

                           A grande questão que está colocada é essa, até onde aceitaremos perder nossas liberdades individuais por isso? Essa deve ser a luta dos estudantes que estão enfrentando a polícia na USP, essa deve ser a bandeira deles! E esse é o grande problema dos movimentos estudantis. Nunca conseguem um foco, nunca conseguem deixar claro para a sociedade o que querem, acabam se afogando na própria ânsia em conseguir realizar a revolução essa semana. Daquela assembleia com a presença de milhares de pessoas que citei acima saíram nada mais, nada menos que 87 reivindicações do movimento. Oitenta e sete!!!
                           Um exemplo do quão desorganizado é o movimento que se forma na USP é que numa assembleia há dois dias foi decidido desocupar o prédio da FFLCH, mas um grupo não contente com a decisão simplesmente realizou outra assembleia ontem e decidiu ocupar a reitoria. Aqueles que estão ocupando a FFLCH ainda também não desocuparam o local. As assembleias são como uma instituição sagrada às organizações estudantis, o argumento contra aqueles que discordam das posições é: "Foi decidido em assembleia, deveria ter ido". Mas agora, que a decisão da assembleia (provavelmente lotada de estudantes a favor da presença da PM no campus) tomou uma decisão contrária àquela defendida pelos "manifestantes", eles simplesmente não a respeitam. É assim que o movimento estudantil vai cada vez mais perdendo o foco e o apoio do restante da sociedade. É realmente uma pena assistir a esse definhamento de tão perto.

                        Por fim, a questão não é sobre fumar maconha ou não no campus, não pode fumar maconha no campus, não pode fumar maconha na rua, não pode fumar maconha em bar, não pode fumar maconha em casa, é ilegal! E não é pelo fato de ser ilegal que não deve ser feito, mas as consequências estão postas na mesa, caso você seja pego. Os policiais estão certos em levar os três estudantes que estavam fumando para a delegacia, e enquanto o movimento estudantil pautar suas decisões por aí, nunca terá o apoio da comunidade. A discussão é a privação de nossas liberdades, a opressão de um espaço histórico de lutas, o lado negro do estado presente nas instituições do próprio estado.

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